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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Uma história sem título

Queridos leitores,


Sugiro que leiam, anotem e procurem no dicionário as palavras desconhecidas e discutam sobre o que acharam mais interessante no texto.

Uma história pode sempre render muitas atividades ou apenas ser lida...é livre.

Depois criem um título e um final.

Boa leitura.

Teresa

A história do rei cismado

Era uma vez um rei muito cismado. Novas idéias e manias a cada estação. Houve um tempo em que cismou com melancias. Todos os dias ele queria comer vários pedaços dessa fruta, que por ali não crescia. Então mandava vir de longe.

Outra vez foram malabaristas. Queria assistir diariamente a um espetáculo diferente, dos mais variados artistas dos malabares, vindos de regiões longínquas. Os preferidos eram os chineses, que empilhavam cadeiras no queixo e faziam rodar pratos enquanto dançavam numa perna só.

Ficou famoso o episódio da cisma com perfumes. Nesse tempo todos os súditos e até mesmo a rainha andavam com lenços no nariz, pois a quantidade de aromas aspergidos pelos ares era tanta, que todos viviam enjoados.

Mas a cisma de falar ao contrário ainda estava registrada nos anais do reino como a mais esquisita de todas. Essa foi uma complicação imensa, pois as ordens eram dadas e poucos conseguiam entender.

–Magrat o obob ad etroc! –gritava o grandioso monarca. E todos os fâmulos corriam pra lá e pra cá, como verdadeiros palhaços, o que divertia muito Sua Majestade.

Esta cisma de falar ao contrário surgiu numa brincadeira que o Primeiro Ministro ensinara à pequena Maribel, a filha mais nova do casal real. O rei achou aquilo muito interessante, pois parecia que eles falavam uma língua de outras terras e ele nunca havia aprendido nenhuma outra palavra estrangeira. Então estudou o “Ed sárt arp etnerf” com afinco real.

E como todas as manias iam e vinham ninguém se preocupou muito quando Sua Majestade cismou de aperfeiçoar as coisas por ali. No início foram as coisas do palácio. Tudo devia estar completamente limpo e brilhante. As vestes reais precisavam ser constantemente lavadas e engomadas, sendo imediatamente jogadas fora e substituídas por novas ao primeiro sinal de desgaste. As salas eram vistoriadas a qualquer momento, para que o rei se certificasse de não haver um mínimo grão de poeira sobre as mesas, nenhuma migalha de pão ou fio de cabelo pelo chão. Os jardins sem nenhuma flor murcha ou folha seca, sendo necessário mesmo se organizar detalhadamente o cascalho que cobria os caminhos.

Essa organização criou dezenas de novos postos de trabalho no palácio real. Eram servos e servas especializados nas mais detalhadas tarefas, para que tudo estivesse sempre perfeito.

Quando estavam todos pensando que a cisma logo seria substituída por outra, o rei mandou chamar seu Primeiro Ministro e ordenou:

–Precisamos levar a perfeição a todo o meu reino. Quero ser lembrado como o rei que transformou esta região num verdadeiro paraíso.

–Mas Vossa Majestade há de convir que seria uma tarefa quase impossível!

–Sim! Você disse bem, meu caro ministro. Quase impossível. É neste quase que mora a possibilidade. Se fosse uma tarefa impossível, sem quase, eu nem pensaria em ordenar, porque tenho consciência de não ser Deus. Este sim desconhece limites. Mas quase impossível representa que é uma tarefa muito trabalhosa, que assustaria a um Ministro preguiçoso ou covarde. Para isso eu teria também uma solução: mandar anunciar por todo o reino, imediatamente, que estamos à procura de um homem valente para ocupar o posto de meu caro e fiel amigo, que começou a ficar imprestável. O que me diz?

O ministro, desafiado, não teve outra alternativa senão aceitar o posto de “catador de defeitos” do reino. Sua tarefa era percorrer ruas, anotar o que não estava correto ou ajustado e mandar que se providenciasse a mudança.

Mas o rei não era nenhum tolo e sabia que seu intento só seria alcançado se conseguisse o apoio de todos os súditos, ou da grande maioria. Então resolveu começar pelas reformas que deixariam as pessoas mais felizes.

Tratou primeiro da limpeza das ruas. Contratou muitos varredores, que dia e noite cuidavam de manter tudo impecável. Jardineiros foram mandados para transformar qualquer pedaço de chão em um recanto florido, reformaram-se as fachadas de todas as construções que apresentassem alguma imperfeição e por aí seguia o ambicioso projeto. Por onde passava, em sua ronda diária, o ministro do rei anotava os elogios e as reclamações das pessoas, que seriam levadas e analisadas na reunião do fim da tarde.

Uma senhora reclamava que sua vizinha andava brigando muito com o marido e os gritos prejudicavam a paz de todo o quarteirão. Mandava-se avisar que brigas eram proibidas. Naquele reino só se falariam gentilezas.

Um senhor denunciou que o mercado local estava vendendo uma farinha tão ruim, que as cozinheiras e os padeiros não conseguiam fazer um pão que prestasse. O comerciante foi chamado às falas e teve que jogar fora todo seu estoque de farinha misturada com outras porcarias, que faziam aumentar tremendamente o seu lucro de forma desonesta.

O médico foi denunciado por não ouvir pacientemente as queixas dos doentes; o relojoeiro precisou ajustar todos os relógios do lugar, para que todos badalassem juntos, precisamente a cada quinze minutos; os ratos foram caçados e exterminados, as baratas fora liquidadas e os gatos passaram a receber o título de auxiliares do projeto de higiene sanitária, por serem especialistas em caçar essas pragas nefastas. É bem verdade que caçavam outros animais menos perigosos também, mas fazia parte do custo para se alcançar a perfeição.

E as pessoas começaram a gostar das mudanças e a idéia da perfeição passou a fazer parte dos desejos de cada um. Os jardineiros pediram que os engenheiros planejassem chafarizes para embelezar mais ainda as praças floridas. E assim foram desenvolvidas várias maneiras de se captar e distribuir a água das nascentes e rios, o que facilitou a vida de muitos que ainda precisavam carregar água em potes, a longas distâncias.

Cada um queria ter a casa mais bem acabada e confortável do que o vizinho, o que fez com que vários artesãos desenvolvessem novas maneiras de produzir móveis, tapetes, louças, talheres e enfeites em geral.

Os cozinheiros e padeiros esmeravam-se em criar pratos cada vez mais belos e ricos em sabores novos, exigindo ingredientes cada vez mais selecionados. Os agricultores trataram de selecionar melhor suas sementes, pois as hortaliças de má qualidade não atendiam a consumidores tão exigentes.

Os produtores de leite descobriram que as vacas e cabras eram mais generosas na ordenha se recebiam melhor tratamento, o que melhorou muito a vida dessas amigas, antes tratadas de forma desumana.

Enfim, nem mesmo o rei poderia prever o efeito multiplicador daquela sua cisma, que transformou aquele pequeno reino num lugar tão agradável quanto realmente uma idéia, que para todos era um tanto vaga, do paraíso na Terra. Os insatisfeitos foram se retirando e não havia mais necessidade de fiscalização nem de denúncias. Cada um era seu próprio fiscal. Todos trabalhavam pelo bem da comunidade, e o bem daquela comunidade era associado à beleza eficiência e bem-estar.

Neste levar da vida, o rei percebeu que tão magnífico reino merecia um monarca à altura de tão dedicados súditos. Não encontrou em si mesmo as qualidades e virtudes necessárias para continuar ocupando aquela posição tão elevada, pois bem conhecia seus defeitos. E, mesmo com muito empenho, a cada um que ele conseguia corrigir, mais alguns surgiam por debaixo da coroa.

Estava aí a nova cisma, que não anulava a anterior, apenas partia dela. O rei estava obstinado com a idéia da própria imperfeição. Não adiantavam os conselhos do ministro, os carinhos da rainha, os afagos da princesa os pratos elaborados, os divertimentos e os presentes.

O povo daquele lugar não se lembra muito bem do dia em que aquela revolução pela perfeição havia começado, pois foi um começo sutil e discreto. Uma revolução que partiu do próprio rei –o que nunca havia sido esperado por ninguém –e que tão bons frutos trouxera para aquele pequeno país, distante de quase tudo. Mas todos guardam na memória o discurso que ouviram naquela tarde chuvosa. Sua Majestade declarou que, a partir daquele momento cada um seria soberano de si mesmo.

–Vocês mostraram que podem cuidar de tudo perfeitamente, muito mais do que eu jamais imaginei, quando cismei de transformar nosso reino. Hoje vocês não precisam mais de mim como rei e eu não me sinto capaz de sustentar sozinho a coroa, que passo a dividir com cada um dos meus súditos.

Mal terminou seu discurso, reuniu os mais chegados e declarou sua nova cisma: todos os seus familiares deveriam aprender um ofício, pois não poderiam continuar a viver inutilmente. Precisavam trabalhar.

Essa idéia não agradou nem um pouco, pois a vida na corte havia sido durante aquele período de perfeição, o mais perfeito exemplo de viver no céu, que alguém poderia imaginar. Mas uma ordem do rei continuava a ser uma ordem do rei, enquanto ele existisse. Quem não quis se adaptar teve que partir.

As coisas se ajeitaram, de forma extraordinária. A cidade prosperou e a paz reinou, até que as notícias de tão belo viver foram chegando aos reinos distantes, trazendo a curiosidade e a cobiça de muitos, principalmente aqueles que no início haviam partido, por não desejarem se envolver nos novos ideais de perfeição. Enfim, é assim que as coisas são.

Os forasteiros vieram de mansinho e começaram a se instalar, abrir suas lojas, casar suas filhas. Mas tinham outros interesses e os conflitos começaram a aparecer. (continua)

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